MUDANDO A MENTALIDADE - Made in Brazil - Contribuição à Cop 27 – 2022 no Egito
*Por Apolo Heringer
A Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties) é o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992. É uma associação de todos os países membros (ou “Partes”) signatários da Convenção, que se reúne anualmente por um período de duas semanas, com o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Além da articulação intergovernamental a ONU abre espaço para líderes empresariais e a sociedade civil se reunirem para discutir suas participações no tema.
RESUMO EM TRÊS CAPÍTULOS E ALGUNS VERSÍCULOS
1. UMA SÓ TERRA
Estocolmo 1972. Um marco nessa história envolvendo a ONU com o meio ambiente foi promovido em Estocolmo, Suécia, em junho de 1972, com o lema Uma só Terra. Participaram 113 países, diversas ONGs, empresários, jornalistas etc. Desde então se comemora em 5 de junho o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Entre os princípios aprovados em Estocolmo estão: “os recursos naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras; o desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável, criando na Terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida; é indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigido tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado; todos os países devem ocupar-se com espírito de cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e melhoramento do meio ambiente; é preciso livrar o homem e seu meio ambiente dos efeitos das armas nucleares e de todos os demais meios de destruição em massa”.
Meses depois, em dezembro de 1972, a Assembleia Geral da ONU criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a principal autoridade oficial global que determina a agenda ambiental, promove a implementação da dimensão ambiental do desenvolvimento no Sistema das Nações Unidas e age como autoridade global do meio ambiente.
Cúpula da Terra
Em 1992, realizou-se no Rio de Janeiro, estando presentes 175 países. Como resultado foram produzidos os seguintes documentos: a Carta da Terra; a Convenção sobre Diversidade Biológica, sobre a proteção da biodiversidade; a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, sobre a redução da desertificação; Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, sobre as mudanças climáticas globais; a Declaração de Princípios sobre Florestas; a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; e a Agenda 21.
O Clube de Roma
Talvez o start desse despertar ecológico tenha sido dado por um grupo de cidadãos, bem antes de Estocolmo, e não por iniciativa da ONU ou de algum governo. Em 1968, o empresário italiano Aurélio Peccei, presidente honorário da Fiat, e o cientista escocês Alexander King se juntaram para promover um encontro, no qual seria discutido o futuro das condições humanas no planeta.
A ideia era avaliar questões de ordem política, econômica e social com relação ao meio ambiente. A primeira reunião aconteceu em uma pequena vila em Roma, daí o nome de Clube de Roma. Hoje se tornou uma organização não governamental que foca na busca por enxergar problemas, discuti-los e difundi-los entre a população. Seus membros são acadêmicos, cientistas, políticos, empresários e membros da sociedade civil.
Um trabalho que deixou o Clube de Roma em evidência mundial aconteceu quatro anos depois de sua primeira reunião. Em 1972, o grupo pediu a uma equipe de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, sigla em inglês), liderada por Dennis e Donella Meadows, para elaborar um relatório intitulado “Os Limites do Crescimento”. Este estudo utilizou sistemas de informática para simular a interação do homem e o meio ambiente, levando em consideração o aumento populacional e o esgotamento dos recursos naturais. A conclusão a que se chegou foi que se a humanidade continuasse a consumir os recursos naturais como na época, por consequência da industrialização, eles se esgotariam em menos de 100 anos. A repercussão foi muito grande, várias críticas foram feitas por nomes importantes da política mundial, eles diziam que o clube queria frear o crescimento econômico.
Hoje, 40 anos depois da obra publicada, é fácil descobrir que muitas questões levantadas ali são legítimas e que a utilização dos recursos naturais de maneira ecologicamente irresponsável já foi capaz de causar danos irreversíveis em diversos ecossistemas importantes do Brasil, por exemplo, o Pantanal, o Cerrado, a Mata Atlântica. O objetivo do relatório era abrir as discussões ambientais de maneira que a humanidade começasse a questionar o modelo de economia e exploração praticados na época. Fica claro que esta finalidade foi alcançada, a discussão de um desenvolvimento sustentável é um dos frutos do trabalho do Clube de Roma.
Apesar de a maioria dos líderes mundiais ainda se preocuparem apenas com o crescimento, produção e economia, o Clube já trabalha para a mudança de foco da sociedade, com uma atualização do modelo industrial-financeiro vigente. Clube de Roma e o relatório "Os limites do crescimento" (1972) - Pensamento Verde.
As conferências de Estocolmo e as preocupações do Clube de Roma tinham uma visão ampla dos problemas da Terra. Após as intervenções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), uma instituição político-científica criada em 1988 no âmbito da ONU, e mais tarde o documentário de AL Gore lançado em 2006, Uma verdade inconveniente, o tema emissão de gases estufa / aquecimento global assumiu a liderança dos debates internacionais. Compromissos foram firmados, como o Protocolo de Kyoto, de 1997, que estabeleceu o limite de emissões que os países desenvolvidos deveriam alcançar até 2012, e o Acordo de Paris, em 2015, que definiu a limitação do aumento da temperatura média mundial a 1,5 °C.
Ainda em 2015, foi firmada a Agenda 2030, na sede das Nações Unidas em Nova York. O plano, assinado por 193 Estados-membros da ONU, reúne 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Na COP 26 foi assinado o Pacto de Glasgow que traz a definição do formato do mercado global de carbono, defende a aceleração da transição energética para fontes limpas e estabelece a redução das emissões de CO2 em 45% até 2030 e a neutralidade até 2050.
Um retrospecto histórico interessante. Tomando como referência o ano de 1850 (séc. XIX), a temperatura média mundial era de cerca de 13,6°C, de lá para cá a temperatura média da superfície do planeta aumentou 1,1°C. Atualmente está em cerca de 14,7°C. Parece pouco, mas as consequências são gigantescas em nossa finíssima biosfera. Precisamos ter em conta que, sem o efeito estufa produzido na biosfera por fenômenos geológicos como vulcões e outros fenômenos naturais, ao longo desses milhões de anos, somados à crescente ação humana, a temperatura média da Terra seria de 18°C abaixo de zero. Ou seja, o efeito estufa é responsável por um aumento de 33°C desde as priscas eras. O que foi muito importante para a vida aqui tal como a temos hoje. Mas há limites, e manter o atual equilíbrio é uma preocupação científica global.
Um estudo liderado pela Universidade do Arizona, dos Estados Unidos, estima que a temperatura média da Terra durante o último Período Glacial (ocorrido há aproximadamente 20 mil anos) já era de 7,8 ºC.
2. SOBRE A POSIÇÃO DO BRASIL NOS FÓRUNS INTERNACIONAIS
Nas COPs, e noutros fóruns internacionais para o meio ambiente, o Brasil tem condições de estar entre os principais protagonistas das articulações para uma mudança de mentalidade global a respeito da questão ambiental. Precisamos ter uma política de Estado que inclua como essencial a participação da sociedade civil em conselhos, de forma paritária e deliberativa. E que essa política de Estado seja aprovada pelo Congresso Nacional dotando-a de indiscutível segurança jurídica, para não ser atropelada facilmente por mudanças de governos. Assim instituída, nossa atuação nos fóruns internacionais terá continuidade assegurada para resistir aos caprichos dos ventos de eventuais bons e maus ministros ou presidentes da República, ou congressistas, agindo por rompantes e também das pressões de lobbies e marketing de interesses poderosos de corporações. Não há mais espaço para a representação personalista e improvisações conforme a conjuntura política de cada país, quando se trata de acordos complexos envolvendo quase duas centenas de países.
Do ponto de vista conceitual precisamos produzir uma teoria geral dos princípios fundamentais que regem a vida nesta parte do sistema Solar onde habitamos. Tal proposta precisa envolver as universidades e ministérios afins, respeitar os conhecimentos científicos, mas de forma integrada com os conhecimentos das comunidades ancestrais de heróica resistência cultural. Assim podemos materializar uma proposta embasada na população e com visão ecossistêmica, de característica cíclica e renovável.
A Terra é uma bacia geo-hidrográfica povoada por uma rede integrada de ecossistemas nos quais a vida existe e resiste tal como a conhecemos. Daí que os fóruns internacionais não podem se limitar a buscar soluções em separado de questões globais e sistêmicas. A persistência em tal postura reflete incompreensão da gravidade e da natureza dos problemas ambientais. O fim dos nossos rios está aí à mostra, eles são um indicador natural qualificado e medular do caos que se instala, pelo desmatamento, a monocultura, a seca subterrânea, a erosão, a mineração predatória fora do controle social e o envenenamento ambiental no campo e nas cidades.
Mas os rios poderão refletir as mudanças que chegarão com a renaturalização, serem veios da mobilização, do monitoramento e da regeneração de continentes degradados. Pois “os rios são informações que fluem!”; “o espelho d'água dos rios mostra a nossa cara”; “as bacias geo-hidrográficas demarcam o território do planejamento geral dos países, ciclicamente sustentável e regenerativo”; “as bacias geo-hidrográficas são os vales, são os estados naturais da Terra, e os oceanos são as grandes bacias geo-hidrográficas receptoras das águas continentais”.
Somos um país de dimensão continental, com uma grande população, riquezas naturais abundantes por isso cobiçadas, ameaçando nossos grandes biomas. Nossa população não tem se beneficiado com tantas dádivas da natureza. Nossa história registra que a riqueza atraiu os maus olhares da cobiça, promoveu séculos de escravidão e a pobreza dos trabalhadores, Hoje ainda, as elites gestadas pelo colonialismo seguem disputando o controle político dos países aqui no hemisfério sul.
Até que ponto as prioridades do hemisfério norte industrialmente desenvolvido estão se impondo aos nossos raciocínios e na representação em fóruns internacionais, impedindo de enxergar claramente as consequências da divisão internacional do trabalho que vem do período colonial? O uso dos recursos naturais nunca poderia dizimar os ecossistemas vitais como se fossem apenas insumos de produção, individualmente apropriados, eternos e sem prever as reciclagens.
Ainda carecemos de uma visão de mundo consolidada e com respaldo político e social, capaz de orientar o diagnóstico e interpretar coerentemente os fenômenos brasileiros e internacionais propondo o tratamento na correta dosimetria. Inaceitável os adiamentos de resolução de problemas internacionais como o desmatamento, a escassez hídrica, a promoção da seca subterrânea, as emissões descontroladas de gases estufa, a negativa de acesso de humanos e não humanos aos bens naturais vitais - como território, água e alimentos - e aos bens produzidos empresarialmente, discriminando grupos sociais e países, numa política de apartheid social e racial.
3. OBSERVAÇÕES E OBJEÇÕES GERAIS
3.1 O Fórum das Grandes Economias de Energia e Clima reúne o grupo de países responsáveis por cerca de 80% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Os principais gases são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Essa tendência metodológica de priorizar o monitoramento do meio ambiente via aquecimento global devido às emissões de GEE, que chegou com Al Gore e com o IPCC, que direciona o debate ambiental para o aquecimento global, corre o sério risco de reduzir a discussão ecossistêmica complexa - com suas variáveis biológicas, sociais, econômicas e políticas - a um debate da busca de uma neutralidade química do balanço gasoso para impedir que a temperatura global média ultrapasse 1,5°Celsius (ou centígrado) na década de 2030 e buscar a neutralidade do carbono até 2050, quando a população humana da Terra estará beirando os 10 bilhões.
O ano base dessa contagem é 1850, referência dos efeitos da era industrial com a intensa queima do carvão mineral, construção e transporte por ferrovias, queima de combustíveis para produzir a energia a vapor, o incremento exponencial da produção de mercadorias e uso do solo promoveram a elevação das emissões de gases de efeito estufa. E mais ainda: a expansão da agricultura e melhoria do saneamento provocaram um grande crescimento da população, pressionando o meio ambiente.
Tal método de gestão ambiental priorizando o controle das emissões gasosas direciona basicamente à busca de fontes renováveis de energia e criação da bolsa dos créditos de carbono para financiar a compensação da poluição em outras regiões do planeta. Em si, objetivos louváveis. Mas o questionamento é de concepção e de foco. Os investimentos aqui no hemisfério sul dos créditos de carbono, estão centrados em monoculturas agrícolas e florestais, é mais um bom negócio do hemisfério norte escapando pela tangente de suas responsabilidades substantivas de mudar o seu modelo econômico lá, que interferem aqui, afinal a Terra é Única, podendo agravar nossos problemas socioambientais devido às relações comerciais e financeiras.
Os governos e os empresários do hemisfério norte têm responsabilidades indutoras do desmatamento aqui e da poluição dos oceanos mundo afora. No hemisfério sul os reflexos aparecem nos rios, territórios, biomas e populações das áreas exportadoras de commodities agrosilvo- pastoris e minérios, sendo destruídos. Esta é a nossa realidade que precisa ser mostrada na COP 27.
A relação entre o hemisfério norte e o hemisfério sul é exemplo de uma divisão internacional do trabalho com profundas raízes no passado colonial. Aqui impera a desindustrialização e a exportação de commodities primárias agro- silvo- pastoris e minerárias, e lá, o aumento das emissões industriais e as exportações com elevado valor agregado por tecnologias. Precisamos discutir as raízes das questões ambientais indo além do balanço neutro da química gasosa na atmosfera. Poderiam, ao menos, exigir nos licenciamentos menos licenciosidade, por exemplo, a obrigatoriedade de se fazer o balanço de carbono em todos os tipos de empreendimento, analisar a sustentabilidade do empreendimento sobre a economia pública, os bens materiais e imateriais da sociedade e sobre os impactos ambientais, principalmente no médio e longo prazo - hoje a maioria dos empreendimentos não passariam em uma análise de sustentabilidade.
Subsiste uma relação neocolonial que não pode ser ocultada mais. Literalmente falando, é preciso aterrisar e superar o neocolonialismo presente nos eventos internacionais.
O desmatamento do Cerrado, nosso segundo maior bioma, para exportar soja, carne, milho, celulose e outros está secando o Planalto Central, desidratando os aquíferos que levavam água abundante ao vale do São Francisco e aos afluentes da bacia do Prata. O hemisfério norte não se preocupa com o Cerrado pois ali as atividades agro-silvo-pastoris lhes beneficiam. Por isso a denúncia do hidro negócio é duplamente fundamental: não pagam o valor de mercado da água bruta que usam nas exportações para o hemisfério norte e instalou aqui no Brasil a seca subterrânea. O hidronegócio configura um incentivo fiscal direto, uma transferência de recursos públicos para o bolso dos acionistas, por omissão calculada, que fere diretrizes da OMC que o Brasil subscreve e ninguém diz nada. Ver: https://m.youtube.com/watch?v=UhK21ARMK9g
Os países da Europa Central, os Estados Unidos da A. do Norte e o Canadá, assim como a China, que compram estes produtos agro- silvo- pastoris e minérios, contribuem de forma ativa para a crise ambiental global, são players desse jogo. Costumam produzir aqui, com seus negócios, suas corporações, registradas como brasileiras, os mesmos danos que costumam denunciar nos fóruns internacionais. Esses países são duplamente atores da degradação ambiental, ora agindo aqui como patrícios, caso da mineração de ouro em Paracatu da canadense Kinross, caso da Anglo Gold na RMBH, ou são compradores externos das commodities que nos destroem aqui. Tudo com ferrenha proteção da Organização Mundial do Comércio – OMC, da qual o Brasil é signatário.
No parecer da The Nature Conservancy (TNC) “o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos ameaçam a saúde e a segurança de milhões de pessoas ao redor do mundo, tanto por impacto direto quanto por consequências das dificuldades para produção de alimentos e acesso à água potável”. Aqui vão outras interrogações: saúde, segurança e alimentação de pessoas excluindo os animais de vida livre como as onças, os pássaros, os peixes, as abelhas, os insetos e os mais pobres? Hoje o agronegócio brasileiro prioriza exportações e a produção de ração animal para sustentar uma dieta de base protéica para os humanos. Ainda assim, os mais pobres passam fome no Brasil e no planeta. E se fosse elaborado um projeto de médio prazo para alterar a dieta mundial? A primeira consequência seria diminuir todo um ciclo econômico de dispêndio energético, terras e desmatamento, barateando grandemente o custo dos alimentos e permitindo vencer a fome global. No caso do Brasil, grande produtor e exportador de alimentos, o povo passar fome é um absurdo moral, análogo ao genocídio.
3.2. Cabe então ajustar a economia mundial aos limites ecológicos, a uma nova legalidade. É inaceitável, por razões políticas, científicas e morais, que interesses ilegítimos procurem ganhar tempo com maquiagens em grandes reuniões sem ir diretamente às mudanças sociais e econômicas. Países que sediam essas reuniões não costumam ser bons exemplos internamente.
Assim, o que esperar? Uma efetiva conservação ambiental no Brasil exige desmatamento zero no momento, com prioridade para a regeneração de áreas degradadas; significa tomar decisões para modificar a médio prazo a base da dieta humana mundial; exigir o uso responsável da água bruta, impedindo reservatórios no interior das fazendas que desidratam as nascentes e desrespeitam o princípio da servidão prejudicando a vida e as atividades econômicas dos mais pobres; cobrar efetivamente o valor de mercado pelo uso significante da água bruta dos grandes proprietários; zelar efetivamente pela conservação da biodiversidade; zelar pelo uso adequado do solo e incremento de tecnologias para a percolação das chuvas; mudança radical da matriz energética atual, tanto para impedir barragens nos rios que o desnaturam e destróem a ictiofauna nos territórios das populações ancestrais e ribeirinhas, quanto para limitar o uso de combustíveis fósseis; pautar a discussão da redistribuição da renda mundial.
Vivemos num planeta que hoje é capitalista. Seja “democrático-burguês”, pluripartidário, o estado submetido a um congresso, ou algumas ditaduras; e por outro lado “capitalismo de estado” com partido único e diversas ditaduras. Desde o século XVIII vivemos as diversas fases da industrialização, da computação, da inteligência artificial, dos booms tecnológicos jamais vistos.
Portanto, não se trata de decretar a morte da contradição capital e trabalhar para avançar na questão ambiental; mas este não é o centro da discussão aqui. Alegar essa vinculação neste momento, além de ser falsa só serviria para paralisar os avanços possíveis hoje, seria mais um falso obstáculo que uma contribuição razoável.
3.3. As COPs e outros eventos ambientais, deveriam recolocar questões técnicas e sociais noutra dimensão, modificando os enfoques das agendas. Assim, priorizar a produção de alimentos para o mercado interno, limitando radicalmente o uso de agrotóxicos, garantir a democratização do acesso à água para todos os seres vivos em ambientes naturais (parte do conceito de justiça ambiental e da sustentabilidade dos métodos de cultura agrícola com biodiversidade), impedir a promoção da seca subterrânea pelo hidronegócio, negacionista do valor de mercado da água bruta. Precisam ser agendas dos movimentos socioambientais e não apenas das esferas de economistas e parlamentares dos poderes formais, indiferentes às consequências de suas decisões e com falácias sobre a fome, a escassez hídrica, a monocultura, o desmatamento, o empobrecimento da população, a perda de biodiversidade, a morte dos rios, em suma, a todas as questões ecológicas.
3.4 “Daqui para a frente, o debate será sobre implementação e resultado”, enfatiza Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, entidade ligada à ONU para reunir o setor empresarial na pauta climática. Infelizmente temos que jogar água em seu entusiasmo, pois, não se trata, apenas, de implementar as recomendações, elas são insuficientes e equivocadas pois não vão ao cerne das questões que abordam, padecem de insuficiências conceituais e de credibilidade política. A começar pelas proposições pensadas em separado e não como questões sistêmicas complexas.
As declarações finais de cada COP não deixam de ter certo encantamento, fugaz. Mas se repetem a cada ano com poucos resultados concretos. Correm o risco de passarem à história como velórios de primeira classe dedicados ao maravilhoso planeta Terra. É comum nos velórios a presença de desafetos. Uma tia querida, que já partiu, defendia com refinada ironia, a tese de que velórios deveriam ser apenas para convidados. Reparem bem o cortejo nos grandes eventos internacionais do meio ambiente e o que seus atores praticam em seus países. É de chorar!
Mas, o principal obstáculo à concretização das decisões, mesmo julgando-as nem sempre suficientes e acertadas, sempre tem sido a reação do mercado: sempre alegando custos, sempre priorizando o sistema financeiro e comercial – sempre em detrimento da vida na Terra. Assim como, desde 1500 se promete ao povo brasileiro a melhoria da qualidade de vida, daí sermos o país do eterno futuro! Medidas aceitáveis que nunca o mercado questiona são: o arrocho fiscal sobre os mais pobres, como o imposto sobre consumo e o imposto de renda para assalariados, pontualidade no pagamento dos juros da dívida pública, nas amortizações e pagamento de dividendos aos acionistas, fim de direitos trabalhistas. A gente entende bem a motivação.
A degradação ambiental astronômica promovida pelo sistema de exportação de commodities nunca é problema maior para eles, só se preocupam com publicidade fácil, o marketing das COPs. A ONU tem demonstrado suas fragilidades políticas como organização internacional, na medida que depende de grandes consensos e alguns poucos países têm poder de veto nas grandes decisões. Mas isto não pode ser uma eterna condição. A ONU precisa ser exemplo de democracia efetiva, com poder e autoridade representativa do conjunto dos países, por maioria, e não uma organização eternamente controlada pelos mais ricos, armados e pouco amados. Inaceitável a mentalidade que impõe o poder de veto no Conselho de Segurança e que alguns poucos países possam bloquear, por décadas, pareceres da quase totalidade dos países. Podemos citar como exemplo as decisões sobre o meio ambiente, sobre o bloqueio a Cuba, sobre o desarmamento nuclear e o direito internacional de ordenar a paralisação de guerras absurdas. São situações de caráter antidemocrático e assentadas na força militar. Isto é um escândalo civilizatório.
Considerando a mudança em curso nas relações internacionais, decorrentes da mudança de uma geopolítica unipolar para a proposta que se apresenta de geopolítica multipolar, arriscamos a propor que a ONU precisa se voltar para si e debater reformas políticas e estruturais necessárias à população mundial. Não custa perguntar: quando teremos o primeiro plebiscito mundial?
*Professor Doutor Apolo Heringer Lisboa, médico e conferencista. Ambientalista, idealizador do Projeto Manuelzão, mobilizador social e formulador político, escritor, com livros e artigos de divulgação ampla na área literária, médica, política e ambiental.